Ferrari na F1: Duas tragédias tiraram título de 1982 da equipe

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Na temporada de 1981, a Ferrari lançou o seu primeiro carro equipado com motor turbo, o potente, porém desequilibrado 126 CK.  Consciente de que era necessário aprimorar os chassis para retornar à disputa pelo título, a Ferrari contratou Harvey Postlethwaite, que anteriormente trabalhou na equipe Fittipaldi. De forma curiosa, o inglês se inspirou no modelo F8 da equipe brasileira ao desenvolver para temporada de 1982, o 126 C2, resultando no apelido dado pela imprensa italiana: “Fittipaldi vermelho”.

De qualquer modo, o 126 C2 demonstrou ser um carro rápido e equilibrado. Logo na abertura de 82, na corrida da África do Sul, os pilotos da equipe, Gilles Villeneuve e Didier Pironi chegaram a ocupar a terceira posição, mas problemas no motor e na injeção acabaram por tirar ambos da prova. No Brasil, em Jacarepaguá, Villeneuve liderou até cometer um erro sob pressão de Nelson Piquet, enquanto Pironi terminou em 8º lugar, mas subiu para sexto devido às desclassificações de Piquet e Keke Rosberg, os dois primeiros colocados. Essa desclassificação ocorreu no famoso incidente das caixas d’água, que eram utilizadas sob o pretexto de resfriar os freios, mas, na verdade, o líquido era descartado.

Enquanto aguardavam a decisão sobre o recurso para a devolução dos pontos de Piquet e Rosberg, uma batalha política ocorria nos bastidores da Fórmula 1. A Ferrari, a Renault e a Alfa Romeo eram aliadas políticas da Federação Internacional de Automobilismo (FIA), enquanto as equipes inglesas, como McLaren, Williams, Lotus e Brabham, estavam alinhadas com a Associação de Construtores (FOCA). As equipes inglesas, que não utilizavam motores turbo, defendiam a proibição desses motores, enquanto a Renault e a Ferrari, que haviam investido muito neles, lutavam para mantê-los. Nesse contexto, uma disputa pelo poder na Fórmula 1 estava em curso entre o presidente da FIA, Jean-Marie Balestre, e o líder da FOCA, Bernie Ecclestone.

Foi nesse cenário que a Ferrari decidiu exercer pressão e testar os limites dos comissários esportivos ao realizar uma clara violação ao regulamento no Grande Prêmio dos Estados Unidos-Oeste, em Long Beach. Os carros da Ferrari foram equipados com uma configuração incomum de duas asas traseiras, cada uma com a medida regulamentar, mas colocadas lado a lado e presas em um único suporte central, criando efetivamente uma asa com quase o dobro da largura permitida. Gilles Villeneuve conquistou o terceiro lugar na corrida, mas foi posteriormente desclassificado, o que serviu como argumento da Ferrari para exigir igualdade de tratamento por parte da FIA. Não se sabe ao certo se foi por esse motivo, mas a FIA manteve as desclassificações de Piquet e Rosberg. Nesse ponto, a Ferrari saiu vitoriosa.

Crise na F1 e bomba explode na Ferrari

As equipes britânicas optaram por realizar um protesto e boicotaram a próxima corrida em Imola, uma das pistas emblemáticas da Ferrari. Isso estabeleceu o cenário perfeito para uma vitória da equipe italiana, mas também intensificou a rivalidade entre Villeneuve e Pironi.

Com a quebra dos carros da Renault de René Arnoux e Alain Prost, a disputa pela liderança se transformou em um duelo direto entre os pilotos da Ferrari. Com o canadense à frente, a equipe solicitou que as posições fossem mantidas, mas o francês ultrapassou de forma agressiva e acabou vencendo, Villeneuve ficou furioso e fez questão de não esconder a raiva com uma cara de poucos amigos no pódio. Indignado, Villeneuve começou a negociar com a Williams para a temporada de 1983, mas não daria tempo, uma tragédia aconteceria na corrida seguinte.

Um acidente fatal e o carro da Ferrari colocado em xeque

No GP da Bélgica, ainda disputado em Zolder, os treinos ficaram pra sempre na memória da F1 de uma maneira triste. Em uma tentativa desesperada de conquistar a pole position, Gilles Villeneuve sofreu um acidente fatal ao colidir com a traseira do carro da March, pilotado por Jochen Mass.

A maneira como o carro se desintegrou, com o corpo de Villeneuve sendo lançado para fora do veículo enquanto permanecia preso ao banco pelo cinto de segurança, gerou críticas. O modelo 126 C2 da Ferrari era construído com uma estrutura formada por painéis de alumínio, ao invés de fibra de carbono, um material mais leve e resistente que já estava sendo utilizado, por exemplo, pela McLaren.

Apesar da potência do motor e da velocidade do carro, especialmente em condições de classificação, a Ferrari continuou dedicando-se intensamente no aprimoramento do 126 C2. Com uma aerodinâmica revisada e uma suspensão dianteira redesenhada, Didier Pironi estava “sozinho” na luta pelo título e conquistou uma sequência impressionante de bons resultados, com cinco pódios consecutivos, além de uma vitória na Holanda. Ao contrário do carro da Renault, que era extremamente rápido, porém pouco confiável, o 126 C2 da Ferrari mostrou-se mais resistente.

Patrick Tambay foi convocado para substituir seu grande amigo Gilles Villeneuve e também começou a pontuar com consistência. Pironi e Tambay subiram juntos ao pódio em Brands Hatch, conquistando o segundo e terceiro lugares, e terminaram em terceiro e quarto lugares em Paul Ricard, na França. Em uma época em que os carros frequentemente sofriam quebras, bem diferente dos dias atuais, a capacidade de obter resultados competitivos consistentes permitiu à Ferrari liderar o campeonato de construtores, enquanto Pironi assumia a liderança no campeonato de pilotos, sem ter um grande adversário.

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Estado do carro de Gilles Villeneuve após acidente em Zolder, em 1982 — Foto: Getty Images

Outro acidente e o fim do sonho da Ferrari

No entanto, a Ferrari sofreu outro golpe devastador. No GP da Alemanha, Pironi tinha a pole position garantida em Hockenheim devido à chuva, mas o francês entrou na pista para testar os novos pneus da Goodyear projetados para condições de pista molhada. No entanto, após ultrapassar a Williams de Derek Daly, o francês não percebeu que a Renault de Alain Prost estava trafegando lentamente na pista devido ao spray de água, resultando em um acidente similar ao ocorrido com Villeneuve.

Novamente, a parte frontal do carro da Ferrari foi arrancada, mas o banco de Pironi permaneceu preso ao carro, com o impacto o francês sofreu graves ferimentos em suas pernas com múltiplas fraturas. Pironi sobreviveu ao acidente, e suas pernas foram salvas, mas ele nunca mais voltou a competir na Fórmula 1. Infelizmente, cinco anos depois, ele perderia a vida em um acidente de motonáutica.

Com Pironi fora de combate, Tambay levou a Ferrari a mais uma vitória no dia seguinte, após o líder Piquet abandonar devido ao famoso incidente com Eliseo Salazar, no qual houve uma briga física entre os dois pilotos. Em uma temporada atípica, com 11 vencedores diferentes, a Ferrari continuava liderando o campeonato de construtores. No entanto, faltando apenas quatro corridas para o fim da temporada, era improvável que Pironi permanecesse na liderança do campeonato de pilotos, pois suas condições físicas não permitiam mais que ele competisse.

Em uma decisão equivocada, a Ferrari optou por inscrever apenas Tambay nos Grandes Prêmios da Áustria e Suíça, deixando de contratar um substituto para Pironi. Era evidente que a equipe precisava maximizar a pontuação contra Keke Rosberg (Williams), John Watson (McLaren), Niki Lauda (McLaren) e Alain Prost (Renault), os principais competidores do francês. Para piorar a situação, Tambay sofreu um problema de nervo comprimido nas costas e não conseguiu competir em Dijon, onde a corrida suíça foi realizada. Como resultado, Rosberg venceu a prova e assumiu a liderança do campeonato.

Somente na penúltima corrida, em Monza, quando Pironi já havia sido ultrapassado na classificação do campeonato, a Ferrari decidiu colocar o veterano Mario Andretti no carro que pertencia a Pironi. O campeão de 1978, ítalo-americano, animou a torcida ao conquistar a pole position, mas acabou terminando em terceiro lugar, atrás de Tambay, que ficou em segundo. Em um ano trágico para a equipe, nem mesmo a vitória em Monza foi possível.

Fim de um ano melancólico

Apesar de ter um carro rápido, consistente e confiável, a Ferrari encerrou o ano de forma melancólica em Las Vegas. A corrida foi marcada por um erro de Andretti e pela desistência de Tambay antes mesmo da largada, devido ao problema no nervo. Apesar desses contratempos, a equipe italiana conquistou o título de construtores, terminando cinco pontos à frente da McLaren.

Hoje, é amplamente consenso que o título de pilotos teria sido conquistado por Pironi ou Villeneuve. No entanto, o destino reservava outros planos para eles.

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